Thursday, January 04, 2007

Ogros

Lá estava o grande fanfarrão com a cabeça descansada sobre o denso galho da enorme sequóia que vira a vida inteira nos momentos de desabafo mudo após os trágicos momentos de felicidade irradiante que houve sempre de cessar abrupta e infelizmente.

Lá, mais uma vez, ciente de que nada nunca tomava a figura da ultima prova, ele pensava e sentia a dureza do galho que servia como um aviso de vida em sua mente, mesmo que precisasse sentir à árvore um sentimento intrínseco a sua própria vida, tamanha naturalidade com que o tempo lhes fez por passados lhes fizeram mais do que simples protagonistas de uma vida, os tornara um. O ogro de sangue e a árvore de sanguínea seiva latente.

Disseram-lhe durante sua última desventura que ele portava-se de uma maneira que não concordava com sua forma. Afinal de contas, ele tinha alguma forma?! Era ele um ogro, sim, de nascimento – abstêmio às classificações formes de ogros com o qual o folclore se firma, ele não parecia com um, pelo menos não fisicamente, apenas na essência e ciência de sua natureza, e talvez – acreditava ele mesmo que os outros dos seus discordassem em alguns momentos – em algumas ações.

Como se davam o direito de duvidar de sua natureza, ele filho de um ogro e de uma ogra, que por isso mesmo cresceu sozinho ao ermo, apenas com a sombra e a dureza da árvore para lhe acariciar. Ele, que sempre matava animais como fazem os répteis, ursos, e leões, com total naturalidade e sem nem ao menos cogitar crueldade, era natural a crueldade, mas não intencional, era simplesmente sobrevivência e deleite.
Sim, sabia que não era verde, sabia que não era tão forte e desproporcional, mas também se julgava retardado e bonachão como os seus. Os céus hão de sempre convir, ou então não era ele um bravo guerreiro da mata e da mortal urbe.

O que lhe haviam dito era tamanha maldade que nessa obviedade já lhe figurava como inverossímil. Não era ele filho de um ogro e de uma ogra? Mas como não? E por que contaram-lhe só agora. Quem seriam seus pais? Oh, havia corrido para longe antes que chegassem a esta parte da história; mas sim, não podia ser real, não era fato, era apenas uma afronta provocativa e cruel, como todas as outras as quais fora submetido pela simples crueldade de seus pais que faziam isso com naturalidade à todo mundo pois achavam isso divertido, mas não, se não eram seus pais; seria ele realmente inato dos que os criaram? Mas eram ogros, e ele também era, sempre fora. Agora longe e na sua confidente que sempre assentia consigo ele rogava por lucidez, também praguejava e queria desmantelar um barril de chopp e sorve-lo por completo em um único gole. Foi o que fez.

Chegou a sua toca em silêncio, pelo menos no mais perto disso que pode um ogro conseguir. Foi até a cozinha e como não ouviu barulho algum no lar deduziu que estava só em casa. Foi até a adega e de lá tomou nos braços um barril grande de chopp. Foi para seu quarto e lá bebeu tudo rapidamente e deitou-se na cama de barro e palha. Quando começava a cochilar ouvir sons na toca e soube que haviam voltado. Foi até a sala e lá encontrou papai e mamãe. Dirigiu-se à eles e enfim:

-Não quero ouvir nada, a não ser o que vou lhes perguntar. Nem mais um quarto de palavra vou ouvir, e nem vocês, por hora. – baixou os olhos com medo dos olhares que sempre eram perversos e inclinou-se a pergunta – Se o que vocês me disseram antes realmente é verdade, então, quem são meus pais?

- Ó, isso nunca lhe escondemos, pensamos que embora fosse novo você sempre tivesse a consciência de que não era realmente nosso filho. Sempre dissemos e o tratamos como tal. Ou você acha que nosso comportamento e linguagem era apenas coisa de nossa natureza? Filho da puta, isso sempre esteve presente em sua criação, não? Pois és de fato filho de uma puta. Essa por sua vez foi morta logo após seu nascimento por seu pai, ele havia deixado a prisão havia apenas 5 horas, em condicional, você foi concebido em uma visita de sua mãe à cadeia. E seu pai estava lá há muito tempo, por motivos de dois dos inúmeros crimes que cometeu. Essa é sua história.

Após ouvir isso o jovem continuou de cabeça baixa e de súbito começou a rir, e mais e mais, ao ponto de ficar sem ar e vermelho – nem quando ria ficava verde, não era evidente que não era filho dos supostos pai e mãe que ali estavam?

-Vocês dois, aqui, me criaram por quê? Pena? Hobby? Criação pecuária humana? Tédio?

- Simplesmente criamos. Filho da puta bastardo! – respondeu o velho ogro sorrindo.

- E sempre me disseram, não? – Sorria – Mas quanto ao engano, o que me dizem?

- Engano? Diga qual!

- Não sou eu um ogro e dos piores? Por minha herança genética, meu sangue, minha luz. Foi me dado o direito de ser tão ogro quanto vocês. Dêem cá um abraço, pois vocês são meus pai e minha mãe. E aqui entre nós. Vocês não são tão ogros quanto dizem...

- Somos sim, por pura diversão acabamos de voltar da floresta, aonde derrubamos sua amiga árvore e a fizemos em pedaços. É tão bom espezinhar você, mas isso é amenidade, voltemos ao abraço, filhote – disse a ogra.

- Certo – abriram os braços e se abraçaram todos.

- O jovem foi até a frente da toca aonde estavam os pedaços de sua árvore e lá fez duas estacas com a madeira e voltou para casa aonde encontrou os pais bebendo, pegou os pais pelas costas, enfiou uma estaca na jugular de cada um sorrindo e depois deu uma cabeçada muito forte em cada um para que apagassem; os dois desfaleceram ali naquele mesmo momento.

- Nunca mecham com a arvore de um humano só. Ainda mais se esse humano tem convicção de que é mais ogro do que qualquer um. O sangue falou mais alto, digo, a seiva. E hoje, habemos churrasco!

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